quinta-feira, 22 de março de 2012

Bom dia Doutor (a) - por Angela Rios

Lendo e relendo Blogs, artigos e sites pela internet na busca por assuntos como parto e humanização me lembrei desse Blog que uma amiga havia me indicado. Dei de cara com esse texto, que nem se eu mesma tivesse escrito, descreveria tão bem meu sentimento nesse momento!
A Autora é a Angela Rios, fisioterapeuta e especialista em saúde da mulher...é MUITO bom...e uma puxada no pé dos que se acham semi-Deuses né...



Bom dia Doutor(a), como passou a semana? Bem vindo(a) ao seu suado plantão semanal de 24 horas para ganhar seu salário de nível superior, o qual inclusive é pouco e injusto, não chega nem perto do que você merece ganhar, ou do valor do mercado. Obrigada pela gentileza e generosidade de prestar seus serviços às mulheres mais pobres, sujas, suadas, adolescentes, multíparas que não tiveram condições financeiras de pagar o que o senhor merece por um atendimento digno, atencioso, e principalmente pela cesárea agendada.

Desculpe-me a intromissão doutor(a), mas gostaria de lhe ensinar algumas coisas sobre parto natural. Não, nem de longe quero roubar seu lugar de médico, não vou me atrever a executar um ato médico, não pretendo exercer a medicina. Quero colocar o parto natural sob outro ponto de vista, se é que isso lhe interessa. Ah, deixe-me apresentar, caso não me conheça: Sou fisioterapeuta especialista em saúde da mulher, mestre em ciências da saúde, ativista da Parto do Princípio e apoiadora da Política Nacional de Humanização e meu trabalho aqui é cuidar das nossas pacientes e ajudá-las a ter no momento do nascimento de seu filho – desejado ou não, saudável ou não, vivo ou não – aquele cuidado que juramos ter quando exercemos a área da saúde. Trabalho aqui de segunda a sexta há 1 ano e tenho a oportunidade de acompanhar todo o tipo de assistência ao parto.

Bem, indo direto ao ponto, para ter um parto natural digno e respeitoso, toda mulher precisa de alguns ingredientes básicos: atenção ao processo fisiológico do trabalho de parto; sentir-se acolhida e respeitada; liberdade para se movimentar, falar e parir na posição que desejar; saber quais intervenções são ou deixam de ser feitas no seu corpo e o porquê disso. O meu trabalho consiste em suprir algumas destas demandas, como o estímulo à liberdade de movimento e expressão, o acolhimento de seus medos e suas queixas e a explicação de porque tiveram que pegar a veia, colocar o soro, cortar o períneo, fazer a cesariana (ops, ato médico? Não... é porque ninguém explicou, e ela só sentiu-se segura de perguntar para mim). Também faz parte da minha rotina tentar amenizar as dores das fortíssimas contrações provocadas pela ocitocina e não deixa-la cair ao chão de tão cansada de um trabalho de parto sem nada para comer ou beber.

Aproveitando a deixa, gostaria de explicar que a produção endógena de ocitocina está diretamente ligada à sensação de acolhimento, respeito e segurança. A grande maioria das mulheres é capaz de suportar as contrações produzidas pela ocitocina endógena, que produz contrações uterinas mais espaçadas em menos intensas, no ritmo da dilatação do colo, ao menos até próximo do período expulsivo, quando algumas mulheres realmente não suportam a dor (eu não suportei, e tive a grande sorte de poder contar com uma analgesia de parto – felizmente eu pude pagar por isso e tive uma vitoriosa experiência de parto normal).

Um outro ponto interessante de destacar é a demanda energética do trabalho de parto. Você sabia que o gasto energético de uma mulher ativa no trabalho de parto é de em média 1500 calorias? Bem, sabendo disso fica fácil entender porque algumas vezes eu me atrevo a lhe questionar se a paciente tem mesmo indicação de jejum absoluto, já que está em trabalho de parto ativo, esperando pelo parto normal. Caso tenha déficit na oferta energética, a paciente fica fraca, apresenta tonturas, tremores e é incapaz de manter-se ativa e também de fazer a força de expulsão. Sim, eu entendo que isso se resolva com um soro glicosado na veia e um Kristeler bem aplicado por um braço bem forte...

Ah, deixe-me apresentar meus recursos de trabalho: eu uso uma bola e as mãos. A bola serve para manter a paciente em posição vertical e pernas abertas, favorecendo o trabalho uterino de empurrar o bebê para baixo, também permite que a mulher movimente a pelve, o que favorece o encaixe do bebê. Na maioria das vezes eu não preciso explicar muito, é só colocar a parturiente sentada na bola que ela sabe como deve se movimentar.

Mas meu principal recurso é minhas mãos. Com elas posso massagem lombar, o que promove analgesia pelo mecanismo de comporta da dor (lembra do Guyton?) quando estimulo das fibras aferentes A-. Na verdade, muitas vezes nem sou eu quem faz este trabalho, eu apenas explico para o acompanhante que ele deve massagear as costas, dando a ele um importante papel no nascimento dessa criança, afinal, ele não está aqui só pra encher o saco e testemunhar o que é de fato ter um parto normal, né? Minhas mãos também servem para amparar a mulher na deambulação, na ida ao banheiro ou no período expulsivo. Aliás, tenho absoluta certeza que para muitas pacientes esse foi o recurso que fez a diferença na satisfação dela com o parto.

Mas minha atuação não se restringe às condutas fisioterápicas. Também tenho trabalhado bastante na tentativa de implementar, incentivar e apoiar as práticas de assistência ao parto segundo as orientações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde deste 2001, quando eu ainda estava na faculdade – nossa, lá se vão 10 anos! E como ainda é difícil, desconhecido e ignorado que somos um dos países com maior índice de cesáreas, maiores taxas de mortalidade e morbidade materna e – segundo pesquisas recentes – um dos campeões em morbidades neonatais associadas ao parto! Será que as européias são melhores parideiras que nós?

Então, doutora, quando vier dar seu suado plantão, respeite a profissional que sou e, quem sabe, aprenda um pouco comigo, porque é visto que suas condutas estão longe de serem naturais. Aproveitando que estamos em um hospital universitário, coloco-me à disposição para discutir o embasamento teórico destas minhas afirmações.


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