Os bebês ocidentais costumam chorar
bastante durante os primeiros meses, o que se conhece como cólica do
lactente ou cólica do primeiro trimestre. Cólica é a contração
espasmódica e dolorosa de uma víscera oca; há cólicas dos rins, da
vesícula e do intestino. Como o lactente não é uma vesícula oca e o
primeiro trimestre muito menos, o nome logo de cara não é muito feliz.
Chamavam de cólica porque se acreditava que doía a barriga dos bebês;
mas isso é impossível saber. A dor não se vê, tem de ser explicada pelo
paciente. Quando perguntam a eles: “por que você está chorando?”, os
bebês insistem em não responder; quando perguntam novamente anos depois,
sempre dizem que não se lembram. Então ninguém sabe se está doendo a
barriga, ou a cabeça, ou as costas, ou se é coceira na sola dos pés, ou
se o barulho está incomodando, ou simplesmente se estão preocupados com
alguma notícia que ouviram no rádio. Por isso, os livros modernos
frequentemente evitam a palavra cólica e preferem chamar de choro
excessivo na infância. É lógico pensar que nem todos os bebês choram
pelo mesmo motivo; alguns talvez sintam dor na barriga, mas outro pode
estar com fome, ou frio, ou calor, e outros (provavelmente a maioria)
simplesmente precisam de colo.
Tipicamente, o choro acontece sobretudo à
tarde, de seis às dez, a hora crítica. Às vezes de oito à meia-noite,
às vezes de meia-noite às quatro, e alguns parecem que estão a postos
vinte e quatro horas por dia. Costuma começar depois de duas ou três
semanas de vida e costuma melhorar por volta dos três meses (mas nem
sempre).
Quando a mãe amamenta e o bebê chora de
tarde, sempre há alguma alma caridosa que diz: “Claro! De tarde seu
leite acaba!”. Mas então, por que os bebês que tomam mamadeira têm
cólicas? (a incidência de cólica parece ser a mesma entre os bebês
amamentados e os que tomam mamadeira). Por acaso há alguma mãe que
prepare uma mamadeira de 150 ml pela manhã e de tarde uma de 90 ml
somente para incomodar e para fazer o bebê chorar? Claro que não! As
mamadeiras são exatamente iguais, mas o bebê que de manhã dormia mais ou
menos tranquilo, à tarde chora sem parar. Não é por fome.
“Então, por que minha filha passa a tarde
toda pendurada no peito e por que vejo que meus peitos estão murchos?”
Quando um bebê está chorando, a mãe que dá mamadeira pode fazer várias
coisas: pegar no colo, embalar, cantar, fazer carinho, colocar a
chupeta, dar a mamadeira, deixar chorar (não estou dizendo que seja
conveniente ou recomendável deixar chorar, só digo que é uma das coisas
que a mãe poderia fazer). A mãe que amamenta pode fazer todas essas
coisas (incluindo dar uma mamadeira e deixar chorar), mas, além disso,
pode fazer uma exclusiva: dar o peito. A maioria das mães descobrem que
dar de mamar é a maneira mais fácil e rápida de acalmar o bebê (em casa
chamamos o peito de anestesia), então dão de mamar várias vezes ao longo
da tarde. Claro que o peito fica murcho, mas não por falta de leite,
mas sim porque todo o leite está na barriga do bebê. O bebê não tem fome
alguma, pelo contrário, está entupido de leite.
Se a mãe está feliz em dar de mamar o
tempo todo e não sente dor no mamilo (se o bebê pede toda hora e doem os
mamilos, é provável que a pega esteja errada), e se o bebê se acalma
assim, não há inconveniente. Pode dar de mamar todas as vezes e todo o
tempo que quiser. Pode deitar na cama e descansar enquanto o filho mama.
Mas claro, se a mãe está cansada, desesperada, farta de tanto
amamentar, e se o bebê está engordando bem, não há inconveniente que
diga ao pai, à avó ou ao primeiro voluntário que aparecer: “pegue este
bebê, leve para passear em outro cômodo ou na rua e volte daqui a duas
horas”. Porque se um bebê que mama bem e engorda normalmente mama cinco
vezes em duas horas e continua chorando, podemos ter razoavelmente a
certeza de que não chora de fome (outra coisa seria um bebê que engorda
muito pouco ou que não estava engordando nada até dois dias atrás e
agora começa a se recuperar: talvez esse bebê necessite mamar
muitíssimas vezes seguidas). E sim, se pedir para alguém levar o bebê
para passear, aproveite para descansar e, se possível, dormir. Nada de
lavar a louça ou colocar em dia a roupa para passar, pois não adiantaria
nada.
Às vezes, acontece de a mãe estar
desesperada por passar horas dando de mamar, colo, peito, colo e tudo de
novo. Recebe seu marido como se fosse uma cavalaria: “por favor, faça
algo com essa menina, pois estou ao ponto de ficar doida”. O papai pega o
bebê no colo (não sem certa apreensão, devido às circunstâncias) , a
menina apoia a cabecinha sobre seu ombro e “plim” pega no sono. Há
várias explicações possíveis para esse fenômeno. Dizem que nós homens
temos os ombros mais largos, e que se pode dormir melhor neles. Como
estava há duas horas dançando, é lógico que a bebê esteja bastante
cansada. Talvez precisasse de uma mudança de ares, quer dizer, de colo
(e muitas vezes acontece o contrário: o pai não sabe o que fazer e a mãe
consegue tranquilizar o bebê em segundos).
Tenho a impressão (mas é somente uma
teoria minha, não tenho nenhuma prova) de que em alguns casos o que
ocorre é que o bebê também está farto de mamar. Não tem fome, mas não é
capaz de repousar a cabeça sobre o ombro de sua mãe e dormir tranqüilo. É
como se não conhecesse outra forma de se relacionar com sua mãe a não
ser mamando. Talvez se sinta como nós quando nos oferecem nossa
sobremesa favorita depois de uma opípara refeição. Não temos como
recusar, mas passamos a tarde com indigestão. No colo da mamãe é uma
dúvida permanente entre querer e poder; por outro lado, com papai, não
há dúvida possível: não tem mamá, então é só dormir.
Minha teoria tem muitos pontos fracos,
claro. Para começar, a maior parte dos bebês do mundo estão o dia todo
no colo (ou carregados nas costas) de sua mãe e, em geral, descansam
tranquilos e quase não choram. Mas talvez esses bebês conheçam uma outra
forma de se relacionar com suas mães, sem necessidade de mamar. Em
nossa cultura fazemos de tudo para deixar o bebê no berço várias horas
por dia; talvez assim lhes passemos a idéia de que só podem estar com a
mãe se for para mamar.
Porque o certo é que a cólica do lactente
parece ser quase exclusiva da nossa cultura. Alguns a consideram uma
doença da nossa civilização, a consequência de dar aos bebês menos
contato físico do que necessitam. Em outras sociedades o conceito de
cólica é desconhecido. Na Coreia, o Dr. Lee não encontrou nenhum caso de
cólica entre 160 lactentes. Com um mês de idade, os bebês coreanos só
passavam duas horas por dia sozinhos contra as dezesseis horas dos
norteamericanos. Os bebês coreanos passavam o dobro do tempo no colo que
os norteamericanos e suas mães atendiam praticamente sempre que
choravam. As mães norteamericanas ignoravam deliberadamente o choro de
seus filhos em quase a metade das vezes.
No Canadá, Hunziker e Barr demonstraram
que se podia prevenir a cólica do lactente recomendando às mães que
pegassem seus bebês no colo várias horas por dia. É muito boa idéia
levar os bebês pendurados, como fazem a maior parte das mães do mundo.
Hoje em dia é possível comprar vários modelos de carregadores de bebês
nos quais ele pode ser levado confortavelmente em casa e na rua. Não
corra para colocar o bebê no berço assim que ele adormecer; ele gosta de
estar com a mamãe, mesmo quando está dormindo. Não espere que o bebê
comece a chorar, com duas ou três semanas de vida, para pegá-lo no colo;
pode acontecer de ter “passado do ponto” e nem no colo ele se acalmar.
Os bebês necessitam de muito contato físico, muito colo, desde o
nascimento. Não é conveniente estarem separados de sua mãe, e muito
menos sozinhos em outro cômodo. Durante o dia, se o deixar dormindo um
pouco em seu bercinho, é melhor que o bercinho esteja na sala; assim
ambos (mãe e filho) se sentirão mais seguros e descansarão melhor.
A nossa sociedade custa muito a
reconhecer que os bebês precisam de colo, contato, afeto; que precisam
da mãe. É preferível qualquer outra explicação: a imaturidade do
intestino, o sistema nervoso… Prefere-se pensar que o bebê está doente,
que precisa de remédios. Há algumas décadas, as farmácias espanholas
vendiam medicamentos para cólicas que continham barbitúricos (se fazia
efeito, claro, o bebê caía duro). Outros preferem as ervas e chás, os
remédios homeopáticos, as massagens. Todos os tratamentos de que tenho
notícia têm algo em comum: tem de tocar no bebê para dá-lo. O bebê está
no berço chorando; a mãe o pega no colo, dá camomila e o bebê se cala.
Teria seacalmado mesmo sem camomila, com o peito, ou somente com o colo.
Se, ao contrário, inventassem um aparelho eletrônico para administrar
camomila, ativado pelo som do choro do bebê, uma microcâmera que
filmasse o berço, um administrador que identificasse a boca aberta e
controlasse uma seringa que lançasse um jato de camomila direto na boca…
Acredita que o bebê se acalmaria desse modo? Não é a camomila, não é o
remédio homeopático! É o colo da mãe que cura a cólica.
Taubman, um pediatra americano,
demonstrou que umas simples instruções para a mãe (tabela 1) faziam
desaparecer a cólica em menos de duas semanas. Os bebês cujas mães os
atendiam, passaram de uma média de 2,6 horas ao dia de choro para
somente 0,8 horas. Enquanto isso, os do grupo de controle, que eram
deixados chorando, choravam cada vez mais: de 3,1 horas passaram a 3,8
horas. Quer dizer, os bebês não choram por gosto, mas porque alguma
coisa está acontecendo. Se são deixados chorando, choram mais, se tentam
consolá-los, choram menos (uma coisa tão lógica! Por que tanta gente se
esforça em nos fazer acreditar justo no contrário?).
Tabela 1 – Instruções para tratar a cólica, segundo Taubman (Pediatrics 1984;74:998)
1- Tente não deixar nunca o bebê chorando.
2- Para descobrir por que seu filho está chorando, tenha em conta as seguintes possibilidades:
a- O bebê tem fome e quer mamar.
b- O bebê quer sugar, mesmo sem fome.
c- O bebê quer colo.
d- O bebê está entediado e quer distração.
e- O bebê está cansado e quer dormir.
a- O bebê tem fome e quer mamar.
b- O bebê quer sugar, mesmo sem fome.
c- O bebê quer colo.
d- O bebê está entediado e quer distração.
e- O bebê está cansado e quer dormir.
3- Se continuar chorando durante mais de cinco minutos com uma opção, tente com outra.
4- Decida você mesma em qual ordem testará as opções anteriores.
5- Não tenha medo de superalimentar seu filho. Isso não vai acontecer.
6- Não tenha medo de estragar seu filho. Isso também não vai acontecer.
No grupo de controle, as instruções eram:
quando o bebê chorar e você não souber o que está acontecendo, deixe-o
no berço e saia do quarto. Se após vinte minutos ele continuar chorando,
torne a entrar, verifique (um minuto) que não há nada, e volte a sair
do quarto. Se após vinte minutos ele continuar chorando etc. Se após
três horas ele continuar chorando, alimente-o e recomece.
As duas últimas instruções do Dr. Taubman
me parecem especialmente importantes: é impossível superalimentar um
bebê por oferecer-lhe muita comida (que o digam as mães que tentam
enfiar a papinha em um bebê que não quer comer); e é impossível estragar
um bebê dando-lhe muita atenção. Estragar significa prejudicá-lo.
Estragar uma criança é bater nela, insultá-la, ridicularizá- la, ignorar
seu choro. Contrariamente, dar atenção, dar colo, acariciá-la,
consolá-la, falar com ela, beijá-la, sorrir para ela são e sempre foram
uma maneira de criá-la bem, não de estragá-la.
Não existe nenhuma doença mental causada
por um excesso de colo, de carinho, de afagos… Não há ninguém na prisão,
ou no hospício, porque recebeu colo demais , ou porque cantaram canções
de ninar demais para ele, ou porque os pais deixaram que dormisse com
eles. Por outro lado, há, sim, pessoas na prisão ou no hospício porque
não tiveram pais, ou porque foram maltratados, abandonados ou
desprezados pelos pais. E, contudo, a prevenção dessa doença mental
imaginária, o estrago infantil crônico , parece ser a maior preocupação
de nossa sociedade. E se não, amiga leitora, relembre e compare: quantas
pessoas, desde que você ficou grávida, avisaram da importância de
colocar protetores de tomada, de guardar em lugar seguro os produtos
tóxicos, de usar uma cadeirinha de segurança no carro ou de vacinar seu
filho contra o tétano? Quantas pessoas, por outro lado, avisaram para
você não dar muito colo, não colocar para dormir na sua cama, não
acostumar mal o bebê?
Bibliografia:
Lee K. The crying pattern of Korean infants and related factors. Dev Med Child Neurol. 1994; 36:601-7
Hunziker UA, Barr RG. Increased carrying reduces infant crying: a randomized controlled trial. Pediatrics 1986;77:641-8
Taubnan B. Clinical trial of treatment of colic by modification of parent-infant interaction. Pediatrics 1984;74:998-1003
Fonte:Bibliografia da doula
Lee K. The crying pattern of Korean infants and related factors. Dev Med Child Neurol. 1994; 36:601-7
Hunziker UA, Barr RG. Increased carrying reduces infant crying: a randomized controlled trial. Pediatrics 1986;77:641-8
Taubnan B. Clinical trial of treatment of colic by modification of parent-infant interaction. Pediatrics 1984;74:998-1003
Fonte:Bibliografia da doula
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