Recentemente li o livro "A queda - As memórias de um pai em 424 passos, de Diogo Mainardi."
E me lembrei de um post do Blog da Dra Melania - Estuda Melania, Estuda! que esclarece muito bem o ABSURDO que aconteceu com essa família. O livro é ótimo e o texto do blog então nem se fala!
Prolapso de cordão por amniotomia precoce - o caso do filho do Diogo Mainardi
Leio com atenção o novo livro de Diogo Mainardi: "A QUEDA - As memórias de um Pai em 424 passos". No livro o autor aborda a sequência de eventos que levaram ao nascimento de seu filho Tito com asfixia perinatal grave, em consequência da qual resultou uma paralisia cerebral do tipo tetraplégica espástica, em uma forma leve.
Sempre me
interessei por todas as (belas) crônicas com que o autor descreveu sua
reação diante do diagnóstico e depois o tratamento de um filho com
paralisia cerebral, desde a publicação de "Meu Pequeno Búlgaro", em um
texto de 9 de maio de 2001:
Não estou interessada e nem irei abrir espaço neste blog para discutir o estilo literário e as opiniões políticas do ex-colunista da Veja. O que me interessa, como obstetra, cientista e mãe, é discutir as causas da paralisia cerebral de Tito e como elas se encaixam dentro do atual modelo de assistência ao parto, tecnocrático e intervencionista, vigente em muitos hospitais, e não apenas na Scuela Grande di San Marco, em Veneza.
O que aconteceu na
assistência ao parto de Anna, a esposa de Mainardi, em 30 de setembro de
2000, quando os dois foram admitidos no hospital de Veneza? Uma
obstetra, que ele descreve como doctoressa F, resolveu acelerar o nascimento de Tito através de uma amniotomia (ruptura artificial das membranas)
Detalhe: de acordo
com o que está escrito no prontuário o colo uterino de Anna ainda estava
impérvio, e a apresentação cefálica alta (estação -3 de DeLee) e móvel.
Na verdade, possivelmente Anna estava ainda em pródromos e sequer tinha
indicação de ficar internada. Também não havia qualquer indicação de
antecipar o nascimento.
Mas a amniotomia foi realizada e, como vocês podem ler na figura que escaneei acima (páginas 28 e 29 do livro), quando a dotoressa F
rompeu a bolsa das águas, ocorreu um prolapso de cordão umbilical, o
cordão umbilical, como o Mainardi descreve, foi "esmagado" e, em
decorrência, Tito sofreu asfixia perinatal grave. A cardiotocografia
descreve uma queda importante - e sustentada - da frequência cardíaca
fetal (FCF) de 160bpm após a amniotomia para 60bpm, em um padrão de bradicardia persistente.
Amniotomia
Nesse momento, a
obstetra não estava ao lado do casal. A enfermeira foi buscá-la, juntas
desligaram o monitor e ligaram outro e finalmente, depois de um atraso
considerável, encaminharam Anna para a sala de cirurgia. A cesariana foi
realizada 45 minutos depois da primeira queda de seus batimentos
cardíacos. De acordo com o autor, os peritos médico-legais que avaliaram
o caso definiram que uma cesariana de emergência, como indicada na
condição em tela, teria de ocorrer em menos de 20 minutos.
Prolapso de cordão
Não está descrito
no livro, mas como seriam eventos impossíveis de esquecer, eu presumo
que também não foram feitas as manobras de ressuscitação intrauterina
nem adotada a posição de "prece maometana", medidas recomendadas para
aliviar a compressão do cordão enquanto se providencia a cesariana de
emergência. Outra alternativa seria a posição de Sims exagerada, como
demonstramos nas figuras abaixo:
Posição de prece maometana
Posição de Sims exagerada
A ressuscitação
intrauterina consiste em uma série de procedimentos para melhorar o
fluxo fetoplacentário em casos de FCF não tranquilizadora, enquanto não
se realiza o parto de emergência: mudar o decúbito, suspender ocitocina,
expansão volêmica, administrar oxigênio à mãe e administrar terbutalina
subcutânea para reduzir/suprimir as contrações uterinas. No caso do
prolapso de cordão, a mudança de decúbito é orientada conforme
apresentamos acima.
Para estudar sobre ressuscitação intrauterina, recomendo o excelente artigo abaixo citado:
Porém, independente
de terem sido ou não tomadas essas medidas, o que mais chama a atenção
no caso do filho do Diogo Mainardi é que a amniotomia precoce foi
completamente mal indicada e desnecessária.
Vejam essa recomendação de um hospital australiano:
E esse artigo em
francês sobre a conduta no prolapso de cordão e os desfechos neonatais:
analisaram-se 57 casos de prolapso de cordão, uma incidência de 1,25
para casa 1.000 nascimentos. Prolapso de cordão se associou com
amniotomia em 42% dos casos! Prolapso de cordão se associou com 26% de
casos de escores de Apgar menores que 7 no quinto minuto e admissão em
UTI neonatal. Os desfechos neonatais foram melhores quanto menor o tempo
entre o diagnóstico e o nascimento. Para a maioria dos casos, exceto
quando a dilatação está completa e o período expulsivo pode ser
abreviado com fórceps ou vácuo-extração, isso é sinônimo de cesariana
dentro de no máximo 20 minutos.
A melhor estratégia
de prevenção primária nos casos de gestação única com feto em
apresentação cefálica é NÃO realizar amniotomia de rotina, mesmo que
presentes condições para praticá-la, isto é, dilatação avançada e
apresentação fetal encaixada na pelve. A revisão sistemática disponível
na Biblioteca Cochrane NÃO recomenda a amniotomia como procedimento de
rotina na assistência ao parto, uma vez que não há quaisquer efeitos
benéficos associados com essa prática:
A Organização Mundial de Saúde também não recomenda amniotomia de rotina na assistência ao parto:
Em alguns casos em
que a amniotomia pode estar indicada para correção de distocias, todos
os cuidados devem ser tomados para evitar seus efeitos deletérios.
Deve-se ter uma dilatação mínima de 4cm, apresentação cefálica encaixada
(NUNCA realizar o procedimento com apresentação alta e móvel, exceto em
casos de feto morto) e, logo depois do procedimento, os dedos
permanecem dentro da vagina permitindo o escoamento lento do líquido
amniótico e verificando se não ocorreu o prolapso de cordão. O
procedimento é contraindicado se já há diagnóstico prévio de procidência
de cordão.
Amniotomia precoce é
causa relativamente comum de prolapso de cordão iatrogênico e,
portanto, não se justifica à luz das evidências atuais.
É importante
apresentar os detalhes desse caso como um exemplo típico de má prática
associada com intervenções desnecessárias durante o trabalho de parto.
Não havia qualquer indicação de se realizar amniotomia em pródromos!
Devemos destacar
que apenas 10% dos casos de paralisia cerebral se associam com asfixia
perinatal e, ao contrário do que julga o senso comum, não é o parto
vaginal o principal vilão da paralisia cerebral, uma vez que na maior
parte dos casos causas antenatais (sobretudo prematuridade e
intercorrências obstétricas) podem ser identificadas.
No entanto, a
incidência de asfixia perinatal no Brasil é bem mais elevada do que em
outros países (6-7 por 1.000 nascimentos) e há ainda muitos casos
iatrogênicos de paralisia cerebral, não pelo parto vaginal per se,
mas pelo mau uso de práticas e procedimentos como infusão exagerada de
ocitocina, amniotomia e ausência de monitorização da FCF durante o
trabalho de parto e manobra de Kristeller (pressão fúndica) durante o
período expulsivo. Também é pouco frequente a realização de
ressuscitação intrauterina em casos de FCF não tranquilizadora.
O caso do Tito
ocorreu na Itália, mas certamente muitos casos semelhantes ocorrem
diuturnamente no Brasil. A história de superação da família Mainardi me
comove e inspira, porque os pais acolheram com Amor a deficiência do
pequeno Tito e envidaram todos os esforços para incentivar o seu
desenvolvimento, e isso deve servir de exemplo para todos os pais que
lidam com um filho especial. Amá-lo incondicionalmente, não apesar da
deficiência, mas amá-lo com a deficiência. Como diz o Mainardi, "nós
amávamos tanto o Tito que passamos a amar a própria paralisia cerebral".
No entanto, por
mais que amemos os nossos filhos especiais, e mesmo que não possamos
prevenir TODOS os casos de paralisia cerebral, temos o dever e a
obrigação de evitar a paralisia cerebral iatrogênica.
Que a divulgação
desse caso possa fazer com que muitos obstetras reflitam antes de usar o
amniótomo, porque na grande maioria das vezes a amniotomia é
desnecessária e pode ser prejudicial. Volto a insistir na minha campanha
contra as intervenções obstétricas de rotina: TIRE A MÃO DAÍ!
Caminha, Tito,
caminha! Possam os teus passos te levar, qual Buzz Lightyear, ao
infinito e além, abrindo caminho para um novo mundo em que outras
crianças não tenham que passar pelo que passaste.
Quantas explicações importantes! Li uma sinopse deste livro e fiquei bem preocupada, pois estou gestante (atualmente com 38s5d)e fiquei bem impressionada com a história... Sempre tive (tenho)preocupações com o que se refere a PC. Obrigada pelos esclarecimentos que coloca aqui no blog... abraços, Andréa
ResponderExcluirNão se preocupe Andréa, mas informe-se e escolha ter ao seu lado uma equipe que te ofereça informação e segurança! Vai ficar tudo bem....te desejo um lindo parto! :) Beijos.
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