A revisão sistemática da Biblioteca Cochrane (Carroli e
Belizan), atualizada pela última vez em 1999, inclui seis ensaios clínicos
randomizados e um total de 4850, submetidas à episiotomia de rotina ou
seletiva. No primeiro grupo, 73% receberam episiotomia, contra 28% no segundo
grupo. Os autores concluíram que os benefícios da episitomia seletiva (indicada
somente em situações especiais) são bem maiores que a prática da episiotomia de
rotina.
Baseando-nos nesses resultados da revisão sistemática, bem
como nas conclusões de diversos outros estudos randomizados desde então
publicados, podemos afirmar que:
1) Não há diferença nos resultados perinatais nem redução da
incidência de asfixia nos partos com ou sem episiotomia, ou seja: os bebês
nascem muito bem sem episiotomia, e não há necessidade de realizá-la com esse
intuito.
2) Não há proteção do assoalho pélvico materno: a
episiotomia não protege contra incontinência urinária ou fecal, e tampouco
contra o prolapso genital, associando-se com redução da força muscular do
assoalho pélvico em relação aos casos de lacerações perineais espontâneas.
3) A perda sanguínea é mais volumosa (em torno de 800ml
contra 500ml no parto vaginal espontâneo), utiliza-se uma maior quantidade de
fios para sutura e há mais dor perineal quando se realiza episiotomia.
4) A episiotomia é uma laceração perineal de segundo
grau, e quando ela não é realizada pode não ocorrer nenhuma laceração ou
surgirem lacerações anteriores, de primeiro ou segundo grau, mas de melhor
prognóstico.
5) A episiotomia não reduz o dano perineal, ao contrário,
aumenta-o: nas episiotomias medianas é maior o risco de lacerações de terceiro
ou quarto graus.
6) A episiotomia aumenta a chance de dor no pós-parto e
dispareunia.(dor durante a relação sexual)
7) A episiotomia pode cursar com complicações como edema,
deiscência, infecção (até fasciíte necrosante) e hematoma.
A recomendação atual da Organização Mundial de Saúde não é
de proibir a episiotomia, mas de restringir seu uso, porque em alguns casos ela
pode ser necessária. Não está muito claro em que situações a episiotomia é, de
fato, imprescindível, porque até mesmo partos instrumentais (fórceps ou
vácuo-extração) podem ser realizados sem episiotomia. Fala-se muito em “ameaça
de ruptura perineal grave”, para prevenir rupturas de terceiro ou quarto grau,
mas o que, clinicamente, caracteriza essa “ameaça” ainda não está definido.
A episiotomia não é útil na distocia de ombros, porque o
problema neste caso é uma desproporção dos ombros fetais com a pelve óssea, e
não com o períneo da mãe. Possivelmente esses aspectos serão desvendados em
estudos futuros. É importante lembrar que, como todo procedimento cirúrgico, a
episiotomia só deveria ser realizada com o consentimento pós-informação da parturiente.
O planejamento em relação a esta e outras intervenções também deve fazer parte
do plano de parto.
O ideal é que a taxa de episiotomia nos diversos serviços
seja inferior a 30%, o que já é realidade em muitos países europeus. A taxa de
episiotomias também vem caindo significativamente nos EUA, embora ainda
persista elevada: o percentual de episiotomias em partos vaginais variou de
65,3% in 1979 para 38,6% em 1997.
Infelizmente, no Brasil, a situação é ainda mais crítica,
porque o procedimento é realizado em cerca de 94% dos partos vaginais. No país
que é o segundo “campeão” mundial de cesáreas, quando não se corta por cima, se
corta por baixo (Diniz e Chachan, 2004). Urge nos mobilizarmos contra essa
prática abusiva, porque reduzir procedimentos cirúrgicos desnecessários é
essencial na luta pela humanização do parto e na promoção de cuidados baseados
em evidências. “
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